Pois é, acontece a muitos. Aconteceu-me a mim também. Nunca
pensei que chegasse o dia em que diria estas palavras: a minha mãe não é a
pessoa que eu sempre pensei que fosse!
Pois que fui à conservatória civil levantar o Cartão do Cidadão
de senhora minha Momi.
“Confirme se está tudo bem no cartão de senhora sua mãe”,
diz-me a gentil funcionária.
“Errr, pois… não está. O nome de senhora minha mãe está
incompleto. Falta-lhe o apelido”.
Ora confirma aqui, ora confirma ali e vai-se a ver e aquando
da feitura do cartão, naquela mesma conservatória, senhora minha Momi assinou o
papel com o nome incompleto, como que a dizer: “Está tudo bem por aqui, faça-se
o meu cartão mesmo assim que eu agora não trouxe os óculos e não vejo letras
miudinhas”.
Então e agora, penso eu? Lá vai ela ter que vir para aqui
outra vez, marca-se mas é já isto para amanhã para fazer um novo que isto tem
que ser remediado, não vai a mulher andar com o nome incompleto, e deixa-me cá
ver como é que faço com o puto, se calhar fica com o meu pai porque amanhã… “Mas
olhe que na certidão de nascimento da sua mãe não consta o apelido. Nem qualquer
averbamento a dizer que adotou o nome do marido.”
Silêncio….
“Pode repetir? Não estou a perceber…”
Resumindo: senhora minha Momi toda a vida se chamou Momi da
Silva Santos Smith (chamemos-lhe assim). Momi da Silva Santos de seus pais,
Smith do marido. Pois que não. Que toda a vida se chamou apenas Momi da Silva
Santos porque nunca foi averbada a adoção do apelido aquando do casamento,
ocorrido por terras de África.
“Então mas… e o bilhete de identidade, o cartão de
contribuinte ou o cartão da segurança social que eu aqui tenho, todos com o
apelido Smith?”
“Tudo falso! São todos falsos!”
Moral da história: era uma vez um bilhete de identidade que
antigamente se fazia manualmente. A pessoa ia ao arquivo de identificação,
preenchia os papéis à mão e, calhando em sorte, tinha do outro lado uma pessoa
que confirmava tudo. Calhando em má sorte, levava a certidão de nascimento e a
certidão de casamento, preenchia e assinava tudo com o apelido novo e ninguém lhe dizia que não batia a bota com a perdigota
e vamos-lá-embora-que-há-mais-gente-para-atender! A partir daí, tem em sua mão
um documento falso, que cria todo um rol de renovações falsas e novos
documentos falsos.
Uma vez que tem que tratar desta alteração na conservatória civil
da terra que a viu nascer, senhora minha Momi diz que se calhar nem se vai dar ao trabalho
de fazer essa alteração e de pagar mais 15€ por um novo cartão e "deixa lá isso que agora vou fazer o almoço".
É bom que se dê a esse trabalho porque, resumidamente:
O meu cartão do cidadão diz que sou filha de senhora Momi da
Silva Santos Smith = FALSO!
A certidão de nascimento dos meus filhos diz que são netos
de senhora Momi da Silva Santos Smith = FALSOS!
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